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Homilia Sexta Feira Santa 2020

12 Abril 2020

Quando Pilatos diz de maneira, diríamos, desinteressada e indiferente: “eis o homem”, apontando para Jesus Cristo manietado e já visivelmente mal tratado, diz algo muito mais importante do que poderia talvez imaginar.

A Igreja viu sempre nesta frase uma síntese, ou melhor, um apontar para o que é a verdade do homem, o que é a pessoa humana!

Jesus, ali, o inocente condenado. Ele é Aquele que dissera e agora cumpria, dava a vida por nós. Ninguém lhe tira a vida, é Ele que a dá. Nesse dar a Sua vida, Ele mostra bem o Seu amor. Dar a vida, tinha dito Jesus, é a maior forma de amar. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos”.

Agora, ali, Jesus, ultrajado e condenado carrega a cruz, levando, não as suas culpas – que as não tem – mas as de todos nós – que temos tantas! Numa aparente invencível rebeldia, ao contrário de Jesus, que é o inocente que obedece e nunca se desliga do Pai, os homens querem, como Adão e Eva, ser senhores das suas vidas e não aceitam que Deus seja o Senhor. Com isso Eles perdem-se! Mas Deus envia o Seu Filho para nos fazer ver o que é ser homem de modo pleno.

Ali está o homem verdadeiro, Jesus, o inocente. Assim descobrimos a verdade do homem. Uma verdade que está radicada no nosso ser, e quando dela nos apercebemos sentimos o íntimo do coração estremecer. Olhando para Jesus, vemos o que todos desejamos ser. Quando vemos Jesus, quando vemos como viveu sempre e como morreu, percebemos logo: é assim que se realiza a humanidade. É assim que quero viver e morrer. Diante da cruz de Cristo sobressaem como ridículas as manias ou as ganâncias dos homens. Neste mundo moderno e desligado de Deus, que tudo deseja, é o homem despojado de tudo que, afinal, mostra o que é a relização da humanidade, o que é a felicidade.

O inocente, diante de Pilatos, injustamente condenado, está despojado de tudo e, por isso, manifesta de modo ainda mais impressionante que toda a Sua glória está no amor do Pai que Ele, por nada, alguma vez abandonará. Ele tinha dito, e a história tem comprovado, que quem dá a sua vida vive-a plenamente e quem pretende agarrá-la para si acaba por a perder. Dar-se é amar. E amar até ao despojamento de si é realizar a vocação mais própria dos homens: a vocação a amar. Amar é ser imagem de Deus que é, em Si mesmo, amor. Somos imagem de Deus e em Jesus essa imagem resplandece em toda a sua pureza. Ele é o rosto do Pai, que desde sempre a humanidade quis e quer encontrar. Como diz o salmista, o nosso desejo é ver o rosto de Deus. “mostrai-nos o Vosso rosto e seremos salvos”. O rosto do Pai revela-se no Filho. “Quem me vê, vê o Pai”. Assim se revela a Imagem de Deus, revela-se o que somos, revela-se o homem que somos chamados a ser.

Muitas vezes espantamo-nos com o modo como vivem os santos. Admiramos a liberdade e o amor que eles testemunham, secretamente invejamo-los, porque também nós queremos realizar a nossa humanidade assim, também neles vemos o reflexo do rosto de Jesus. Infelizmente, depois, facilmente se sobrepõe uma desconfiança e julgamos impossível, e assim, preferimos reduzir o desejo. Tentamos ficar contentes com uma solução de bom senso, sem radicalidades, considera coisa de gente especial.

Jesus, ali, diante de Pilatos e de todos nós, pega na cruz, o inocente que é o todo poderoso, vai ao limite e até precisa de ajuda. Precisa do Cireneu, precisa de ti e de mim! Despojado das próprias forças, Ele não consegue sozinho. Mas isso não quer dizer que esteja vencido! Não está acabado. Está, pelo contrário, a ganhar. Está a afirmar a radicalidade da relação com o Pai. Jesus dá-se totalmente ao Pai. O demónio queria que Ele não Se desse e que Ele se agarrasse a algo que não fosse o Pai exclusivamente, mas Ele é o vencedor, não o demónio. Ele dá-se até à última gota de sangue. Assim Ele assume o controlo da Sua vida. Ele é totalmente livre. Nada o faz abandonar a sua firme decisão de obedecer. Adão desobedeceu, deixou-se seduzir. Jesus é vencedor. Por isso não teme precisar de ajuda, e assim nos mostra como precisar de ajuda nos faz ser humanos. Não somos mais humanos se formos autossuficientes.

Neste momento da história, vivemos um paradoxo. Nunca fomos tão capazes de vencer doenças. A ciência está desenvolvida a ponto de alguns sonharem em criar um homem capaz de viver centenas de anos! O mundo sonha em criar um mundo sem problemas. E depois estamos assim, incapazes de vencer um vírus, sentindo que estamos sob ameaça, que nada do que julgamos ter está seguro. Nem a vida. Este mundo propõe, de facto, o contrário do Inocente. Presunçoso, despreza o inocente, o despojado, o obediente a Deus. Está mesmo em conflito com o inocente, e esta luta está a ser travada dentro de nós. Afinal qual o ideal da nossa vida? Mais mundo ou mais Cristo? O que nos faz ser homens verdadeiros e realizar plenamente a nossa humanidade?

Este mundo sem Deus é de facto incapaz. Para lá de todas as suas incapacidades, a mais evidente de todas é que não consegue resolver o problema do pecado. A abundância de bens de consumo e o desenvolvimento tecnológico, por si, não geram o coração bom. A engenharia que produz máquinas não consegue mudar o coração humano. Pelo contrário, desde de Adão, que a mesquinhez, os medos, a maldade e a ganância, a vaidade, a preguiça e a luxúria não se curam com o ter mais coisas ou com mais ciência! Um mundo assim tem tanta coisa, mas não é casa de homens. Que pena! Porque há tanta coisa boa que se for bem usada pode ser de ajuda real a tanta gente.

Quando a doença do Covid, mas não só esta, revelam a fragilidade do homem ela também desperta no homem a consciência de quem são. Os sinais do inocente voltam a brilhar. A percepção de sermos dependentes torna-se patente. Os gestos de amor gratuito, de carinho e ternura, as preocupações com o outro reaparecem na história como os verdadeiros protagonistas. Assim, esta crise que está aqui pode ser uma ajuda. Pode ser uma oportunidade para sermos mais humanos, para sermos imagem do homem inocente e despojado, de Jesus Cristo.

Contudo, não nos basta ver Cristo e querer ser como Ele. Jesus não é apenas um bom exemplo. Ele recria o homem. Na cruz nasce uma nova humanidade e nós, que pelo baptismo e pela fé, nascemos de novo, temos em nós o Espírito Santo que nos torna capazes de viver como Jesus Cristo viveu e morrer como Jesus Cristo morreu. Este é o caminho da ressurreição. Despojado de tudo, Jesus precisou de nós, para que nós percebamos que sem Ele não podemos nada. Com Ele, com a Sua graça podemos ser como Ele, homens verdadeiros, ligados entre nós e ligados a Deus.

Pe. Duarte da Cunha

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